terça-feira, dezembro 28, 2004

Dejàvu

Ela nunca iria imaginar que, balançando a folha de uma árvore, ela traria Caio para sua vida. Foi assim, como o cair da folha de uma árvore, que ele entrou em sua vida. De mansinho. Sem fazer barulho.
Embora ela acreditasse que jamais cai a folha de uma árvore, se isso não for a vontade de Deus, não entendia a razão de Caio entrar na sua vida. Afinal, ela não tinha entrado na vida dele, como gostaria.
Como um furacão, rapidamente, Caio foi invadindo seu espaço e conquistando seu coração. Levou sua orquestra e compôs sua sinfonia. Embalada pelo ritmo frenético daquele homem, ela mergulhou em sua música, sem se preocupar muito com as notas musicais; se eram harmônicas ou não. Velas, incenso, música, corpos ardentes...Dejàvu!
Depois do espetáculo, garrafas de vinho pelo chão. Taça de cristal quebrada. Abajur estilhaçado.
Silêncio de Caio. Coração despedaçado. Dejàvu!!!
A taça, o abajur, o coração. Nem a melhor cola do universo poderia deixá-los perfeitos novamente. A taça, ela compraria outra, ainda mais bonita. O abajur, também. E o seu coração? O que seria de seu fraco coração?
Por que Deus promoveu esse encontro se não era para ficarem juntos? Quais eram os planos divinos? Onde estaria Caio?

segunda-feira, dezembro 27, 2004

Criando raízes

Ela o deixou à vontade em sua casa. Permitiu até que ele abrisse sua geladeira, remexesse seu armário, procurasse as panelas e preparasse o almoço. Na verdade, ela agradeceu a Deus que ele estivesse cuidando de tudo. Que estivesse cuidando dela, pelo menos naquela tarde.
Enquanto tomava banho, ouviu Caio resmungando na cozinha. Perguntou o que era. Ele riu, dizendo que a cebola estava brotando dentro da geladeira. Ironicamente, ela respondeu que era melhor assim. Finalmente, não precisaria mais comprar as cebolas que sempre a faziam chorar.
Realmente, ela nem lembrava que ainda tinha uma cebola esquecida dentro da geladeira. Pra dizer a verdade, Caio estava com sorte por ter encontrado a cebola. E, por tê-la encontrado também, embora não reconhecesse isso.
Não era somente a cebola esquecida que tinha criado raízes. O carinho (amor) que sentia por Caio também tinha crescido. Tinha criado raízes dentro dela. E, mesmo que as doses de fluxetina a estivessem ajudando a suportar sua ausência e seu silêncio, as raízes continuavam a crescer freneticamente. Só que Caio nunca mais dera notícias.
Então, ela teve que apredender sozinha a lidar com cebolas. E aprendeu. Nunca mais suas cebolas criaram raízes. Também, sozinha, ela estava tentando domar as raízes do amor que sentia por Caio. Estava na hora de cortar as raízes. Estava na hora de parar as lágrimas.




Paula Kim Enjoy!

terça-feira, outubro 05, 2004

Caminho de volta

"Estou com uma necessidade imensa de amar", falou. "Mas tem que ser ele?", perguntou Raíssa. "Sim", ela respondeu com brilho nos olhos e mais uma vez chorou pelo amor que sentia por Caio. Onde estaria o homem que não quis aceitar o seu amor? Aquele que foi nobre quando disse que temia ferir seus sentimentos e preferiu se afastar? Que avisou que não estava pronto para um relacionamento naquele momento? Que não garantiu que estivesse pronto algum dia para aceitar o que ela tinha para lhe oferecer?
Mais uma vez ela ficara sozinha no meio da estrada. Sozinha não! Ela e o seu amor, pronto para ser vivido. Mas não ainda daquela vez. Quando seria a sua vez? Existiria a sua vez? Ela queria, porque queria amar o Caio. Estava revoltada porque não podia ser naquele momento e nem do jeito que ela queria. Se não fosse para ser vivido com ele, por que teriam se encontrado, então? Ela não tinha pedido para encontrá-lo. Ela nem o estava procurando! Algo dentro dela, talvez a menina, talvez a mulher -já não sabia ao certo-, dizia que o encontro não tinha sido por acaso. Tinha algum motivo muito forte para que eles tivessem se encontrado. Certamente um tinha que aprender alguma coisa muito importante com o outro.
Estava cansada. Fragilizada de pensar e repensar nisso. Estava confusa. Depois daqueles encontros também tinham existido desencontros. Amava mesmo Caio ou queria apenas consegui-lo para provar de que era capaz? Seria um capricho da menina? Seria a menina brigando por seu sonho? Seria a menina lutando para que a mulher madura e ponderada não tomasse seu lugar e desistisse de tudo? Ou todo esse sofrimento estava no roteiro da história? Não sabia. Não sabia nada.
Resignada, agradeceu a Deus pela dor e rogou que Ele conduzisse seu caminho e suas ações. Queria voltar para si mesma. Que Ele protegesse e guiasse o caminho de Caio também. E que se fossem para eles voltarem a se encontrar um dia, que assim fosse. O amor que estava dentro dela continuaria ali. Pronto para ser vivido quando chegasse o momento. Fosse ou não com o Caio. Que Deus não parasse de escrever sua história, pois ela estava em suas mãos. E ela confiava em Deus.

Menina-mulher

Nos últimos dias ela pensara muito na frase que Caio dissera quando se viram pela última vez há duas semanas. "O que uma mulher bonita está fazendo sozinha?" Não lhe respondeu na hora, mas pensou que estava sozinha, pois queria estar com ele e mais ninguém, oras! Depois, aquela frase ficou martelando sua mente. Mulher? Ela era apenas uma menina!
Para ela, a palavra mulher tinha muito peso. Se já não bastasse ter que resolver tudo sozinha em sua vida (pagar o aluguel, cuidar da saúde, instalar chuveiro, furar o azulejo, chamar o encanador...), tinha também que ser uma mulher? Apesar de estar prestes a completar 33 anos, sentia-se uma menina. Não se via como mulher. Claro que essa impressão não tinha relação alguma com sua feminilidade.
Às vezes tinha a impressão de que carregava o mundo nas costas e que aquilo nunca teria fim. Afinal, era ela por ela mesma. Tinha saudade de quando se derretia nos braços de seu pai que, carinhosamente, a acalmava e encontrava a melhor solução para todos os seus problemas, sempre! Porém, em boa parte do tempo, tinha a certeza de que era uma guerreira. Sabia que se seu pai a visse hoje, sentira um imenso orgulho de tê-la como filha.
E ela tinha que se aceitar como mulher forte que era. Porém, tinha medo de amadurecer. Fora assim, aos 11 anos, quando ficou menstruada. Assustada com a transformação do corpo, a criança chorava, pois não queria ficar moça. Era assim agora. Era mulher e queria ser menina. Responsável e direitinha -como a rotulara Caio-, mas que pudesse sair da linha quando bem entendesse.
Queria que alguém tomasse suas dores, que resolvesse suas coisas. Ao menos de vez em quando. Não queria se preocupar com nada. Nem mesmo no que sentia por Caio. Temia que a mulher, que a cada dia ficava mais forte, sufocasse seus sonhos de menina. Que essa mulher fosse ponderada o bastante para dar uma guinada em sua vida. Não queria perder seus ares de menina. Não confiava o suficiente nessa nova mulher na qual estava se transformando. Essa mulher teria sonhos novos. Ela tinha medo do novo.

segunda-feira, outubro 04, 2004

Doce lágrima

Se ela pudesse arrancar seu coração e atirá-lo na correnteza, não teria mais dor, nem saudade. Não teria mais lembranças... Àquela altura já não sabia mais se o sal que impregnava o seu rosto era da água do mar ou de suas lágrimas.
Do ponto onde o céu encontra o mar, o pôr-do-sol velava seu choro e seu sofrimento. Implorou para que seu amor nunca soubesse que chorou por ele. Então, entrou no mar e desejou que a maré levasse para bem longe suas lágrimas e sua tristeza.
No caminho de volta para casa, no cair da tarde fria de primavera, olhou para trás com melancolia. Junto com a ilha, já encoberta pelas brumas, ficara seus sonhos e sua esperança. Com ela, seguiam lágrimas, tristeza e lembranças. O vento gelado e a força da água do mar espirrando em seu rosto anunciavam o sabor que ela provaria dali para frente. Era a viagem de volta. Um caminho sem volta. Precisava resgatar os sonhos perdidos nas brumas. Precisava acalmar seu coração para continuar seu caminho. Precisava de sonhos novos. Precisava viver simplesmente.

sexta-feira, outubro 01, 2004

Fim de férias

Era seu último dia de férias. Nada do que lhe dissessem a faria melhorar o humor. Há dias não esboçava um sorriso. Mal conseguia falar. Só chorava. Estava em depressão, coitadinha.

Por mais que quisesse se libertar daquele nó que sufocava o seu coração, não conseguia. Era mais forte do que ela. Estava completamente apaixonada. Caio não dera mais nenhuma notícia, depois do encontro ocasional que tiveram há duas semanas, em outra cidade.

Amigos falavam daqui. Amigas dali. Psicológa acolá... e nada! O nó ainda estava lá, resistente como o nó dos marinheiros. Um psiquiatra, talvez, pudesse amenizar a situação. Uns remediozinhos não fariam mal algum. Afinal, já que o Caio não podia estar ao seu lado naquele momento, ou nunca mais em momento algum, que a química a ajudasse a amolecer esse nó. Pelo menos por enquanto. Tentou marcar a consulta, mas só para dali a um mês. Muito tempo! Em um mês ela teria cortado os pulsos!!!

Ela queria respostas. Queria que a verdade viesse à tona. Mas Caio já tinha aberto o jogo. Nada poderia acontecer com eles naquele momento. Apesar da nobreza e da sinceridade de Caio, ela tinha certeza de que ele estava omitindo muitas verdades. Queria vê-lo. Precisava do carinho que ele não podia ou não queria lhe dar. Racionalmente, desejava esquecê-lo...

Então, pensou no trecho que leu naquele último dia de férias, do livro Memorial do Convento, de José Saramago:

"Se não houvesse tristeza nem miséria, se em todo lugar corressem águas sobre as pedras, se cantassem aves, a vida podia ser apenas estar sentado na erva, segurar um malmequer e não lhe arrancar as pétalas, por serem já sabidas as respostas, ou por serem estas de tão pouca importância que descobrí-las não valeria a vida duma flor"